quinta-feira, 27 de setembro de 2012


Como ousas? 

Ao ler a passagem do Evangelho que apresenta Jesus ouvindo e interrogando os doutores (Lc 2, 46), pode-se imaginar esse diálogo: “Somos sacerdotes, a quem cabe ensinar as regras da Lei. Não tens idade para saber estas coisas. Quem pensas que és? Como ousas nos questionar?” E o pequeno responde: “Desculpe-me, senhor, sou apenas um menino chamado Jesus.” E, depois disto, prosseguiu com suas perguntas instigantes,
 palavras inesperadas, desacomodando e encantando a todos com sua 
inquietante sabedoria (Lc 2,47).
Um conselheiro espiritual mineiro nos diz que para entender um texto é preciso conhecer o seu contexto. Pois bem: na época de Jesus, o sistema cultural da sociedade judaica tinha mais de 600 regras de comportamento com preceito moral no Antigo Testamento.
 Podia um menino de 12 anos conhecer todas elas?
Eram mesmo muitas regras: não pode fazer isto, não pode fazer aquilo, tem que fazer desse jeito, tem que fazer tal coisa. Quem descumpria, ficava mal com Deus. Podia ser punido ou excluído da comunidade do povo de Deus. E os sacerdotes estavam ali, 
apontando tudo que o sistema judaico não permitia.
Desde menino, Jesus ousou questionar os limites e preceitos impostos pela lei judaica. Era como se Jesus dissesse àquele povo: Vocês pensam que Deus é bobo? Que basta seguir essas regrinhas para ir para o céu? O que Deus realmente deseja é que 
vocês aprendam verdadeiramente a Amar.
Anos mais tarde, os sacerdotes diziam: Não podes curar no sábado. O sistema não permite! Como ousas? Mas, para Jesus, as pessoas valem mais do que as 
regras da Lei e, por isto, continuou a curar nos sábados.
Nos anos 30, a sociedade vivia com seus próprios preceitos de santidade cristã: pode, não pode e tem que. Faltava muito para o Concílio Vaticano II. O padre rezava em latim, de costas. Homens e mulheres assistiam à missa, separados. Valorizava-se o celibato. A família era remédio para a concupiscência. No meio disso, quatro casais vão até um sacerdote franzino e dizem: queremos ser santos, mas em casal! Bem que ele podia ter dito: Como ousam querer isto? O sistema não permite! Para nossa sorte, o Padre Caffarel preferiu o caminho de “ousar juntos o evangelho”. Não impôs uma lei. Propôs um caminho com base em atitudes, exigências, esforço e vida em comunidade. Um desafio, um carisma. Pode-se imaginar quantas vezes, nas décadas seguintes, o Padre Caffarel deve ter ouvido: 
Retiro em casal? Como ousas?
O Concílio Vaticano II chega aos 50 anos. O mundo vive um sistema sociocultural multirreligioso, globalizado com rincões nacionalistas, equilibrando-se entre regras compartilhadas e a própria ausência de regras. Computadores, ligados na internet, oferecem agilidade de acesso a uma ilimitada fonte de conhecimento em contraposição ao medo de muitos por ter que interagir com toda essa tecnologia. A máquina parece ser mais importante do que as pessoas. Para muita gente, dizer que “o sistema não permite” virou a desculpa para deixar de fazer algo que não sabe ou que não quer fazer.
Para alguns, o mundo mudou rápido e até enlouqueceu. Naturalmente, dúvidas surgem e apontam os desafios. Como viver os valores cristãos, nesse mundo? Como tornar realidade a riqueza da Familiaris Consortio tendo à nossa volta relações familiares com modelos tão diferentes? Alguns documentos da Igreja precisariam ser atualizados? É claro que sim, responde nosso SCE, só não podemos agir como meros expectadores. Temos que ser verdadeiros protagonistas.
No meio desse turbilhão, o XI Encontro Internacional das Equipes de Nossa Senhora nos chama a “ousar o evangelho”, aqui e agora, com ações e palavras, onde estivermos inseridos. Nossa ação cotidiana deve ajudar a revelar que a felicidade conjugal é possível. Sem fingimentos, nossa espiritualidade de casal deve ser suficiente para transmitir a ousadia dos valores cristãos a todos os que nos cercam.
Vivenciar os PCE e as atitudes de vida de “cultivar a assiduidade em nos abrirmos à vontade e ao amor de Deus”, de “desenvolver a capacidade para viver a verdade” e de “aumentar a nossa capacidade de encontro e comunhão” devem ser, cada vez mais, a força que sustenta o equipista e o leva à fantástica opção de “ousar o evangelho”.
Ousemos enfrentar nossos medos. Ousemos pensar que as pessoas valem mais do que máquinas e sistemas. Ousemos, a cada situação, perguntar a nós mesmos: O que Jesus faria se estivesse no meu lugar? O Espírito Santo há de nos inspirar como agir e nos ajudará a diferenciar o que é essencial do que é acidental, o que é mérito do que é circunstancial, o que é verdade daquilo que é somente aparência. Agindo assim, saberemos como e onde “ousar o evangelho”.
Deus ajude para que, em um dia não muito distante, o mundo possa questionar a cada casal equipista: Como ousas viver feliz, em casal e em família, o Evangelho?


Casais e SCE 
Eq.37A - N. S. de Guadalupe 
Brasília-DF




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